03 junho, 2019

sete dias - dia 3

eu não estou aqui pra escrever essas coisas melosas que você acha que eu escrevo mas

olha, tem sido muito difícil

essa noite eu não aguentei o silêncio
um barulho da porra na minha cabeça
e eu não tinha mais pra onde correr

soquei o interruptor quebrei a caixa cortei o dedo
me senti idiota andando de um lado pro outro
engolindo sem vontade de comer
cama desarrumada gato correndo assustado
a cada minuto eu olho pra ver se é você

eu continuo fazendo tudo errado

será que eu surtei, dé?
quase vinte e sete luas e é muito difícil morar em mim
eu me pergunto
será que eu conheço esse lugar?

02 junho, 2019

sete dias - dia 2

não quero acordar na promessa que te fiz
nada disso eu cumpri
acordar rançoso com café ralo e tabaco requentado.
vamos à vida, diacho. você disse que iria.

o gosto da tarde até que é bom, desce macio

eu não quero amaciar
ele me pede um afago sem querer me pedir
eu digo que sim sem saber dizer que não
e tudo que pra mim não tem luz é claro pra ele
chega, já não dá mais
eu não sei dizer que não

eu não sei dizer mais nada
e durmo no vazio

01 junho, 2019

sete dias - dia 1

01 de junho de 2019

um novo dia. ensolarado
tudo é novo. tenho tarefas, sede e fome
o dia segue e hoje eu só quero ser.
anoitece chuvoso. transformadores estouram faíscas no chão molhado
mas não há tempestade ou fim de mundo que me tire de onde eu cheguei

12 dezembro, 2017

arranjo em três atos

I

canto em linhas desiguais
um desenho do teu semblante
preto e branco
insípido monocromo
escala de cinza, face
nada disso era você

bumbo bumba não é boi
entrelinhas malfeitas
passagens desfeitas
entre tantas outras
bendito seja

o até (mais)


II

pandeiro xe-querer
em cada passo
dança mansa
samba, nada escapa
entre mares, ares
pólen, solo duro
terra rala:
floresceu

terra de abelhas
e sementes de girassóis
eu vou 'pra qualquer lugar
dedo entrelaçado
qual a alma
sem pudor
e aquém


III

chora cuíca

tropeço no vazio
descompassado
não me joga fora
suspiro bravo
quando já não era eu
quando já não era nada
volta 'pra me buscar
cantando
catando meus restos
teus

coração respira
costura sem sangrar
um remendo
um remédio

para acostumar
ensolarar
fechar os olhos

para salvar a vida
para salvar o santo
para salvar a flor
dessa terra onde brotou
amor

12 abril, 2017

aflora

na cabeceira da noite há um prato cheio
notas que não tenho ouvido
será que tenho
ou visto
de toda anatomia que me forma nada mais me sobra
eu só quero o que não há mais

me vem cheio
desatado
plurado
pulsado

me traz amostras
onde me punha a mergulhar
na organicidade
afago
no piscar
duplo
olhar fundo
sem escada
sem sinalização
sem volta

fada sem varinha de condão
eu preciso te gravar
dentro
dentro de mim

adentro me pego
lembro
sereno
terreno
fiz minha casa
morada onde vivo norte
sem abrir janelas
o mar é de vento forte
logo eu

nessa engenharia
já diz o velho amigo
na paráfrase
dois não sustentam

26 março, 2017

incapaz

intitulei-me capataz
ceifador de meus castelos
um por um
destruídos
por dinamites silenciosas

já não nasce sol no reino
a mariposa cansada
não aguenta mais seu próprio peso
afogada
agora é só fio

quem é a tal?
era uma vez eu
um menino que nunca soube brincar

22 março, 2017

aspirante

como Carolina
incansável sedutora
eu te aspirei como há tempos
sem vírgulas 
sem cabeça
excito
de cima do meu altar das lamentações
eu sou o rei perdido que não quer acordar

seus restos no meu rosto
o gosto inconfundível
atracado
entranhado

não estou de pé
mas ainda vivo
sobrevivo
sem cara pra reviver o final

08 dezembro, 2016

de passagem

ando parado. fiquei muito tempo trancado aqui. aqueles tempos foram difíceis. hoje meu menino me deixa solto, vou e volto despreocupado e já não paro. há tanto a gente não se encontra... eu tive saudades, sabia? imagino que você não. ou sim - mas não precisa admitir. o menino metafórico que fantasia suas realidades hoje nem me consulta mais.
o caminho foi longo e cá estamos sós. quando eu chego é sempre assim. tiro seu sono, sua paz, sua paciência - nos velhos tempos, sua sanidade. eu sempre muito egocêntrico, você sabe. agora aprendi a ir sem mandado. meu eu não admite mais esse ultraje.

ainda será - eu dentro, você fora - como nos últimos anos.
eu vou me acostumar com isso.

25 maio, 2016

era

essa noite eu dormi sem saber
eu cheguei até aqui
engoli seco esse teu tempo
entalado
nos meus olhos
na minha boca
no meu ventre

estala o dedo e nada aqui tem paz
tudo vivo me traz mal
ou não me traz
eu já não sei o que faz

eu fui
fiz
me refiz em meus papeis
e aos prantos
me desenhei sorrindo

era uma vez
mais nada

25 abril, 2016

inerte

eu já perdi as contas de quantas vezes quis estar dentro de você. ser teu motivo de tudo. já perdi a conta de quantas vezes idealizei você. no imaginário sou deusa, fascínio, presente entregue a seu dispor. sou carne na sua, sou cor. sou teu sorriso da manhã que você não vê. você não acorda. e eu desapareço. quantos dedos vou martelar até te ter inteira? ora a água não bate nem no joelho, ora você me transborda. me quero afogada, sempre fui do mar. levezas me estranham mas não quero carregar pesos. paradoxos ainda vão me envenenar.

29 março, 2016

mais uma mentira

eu ia dizer que às vezes rezo a deus pra encontrar Tadeu. seria mais uma das mentiras que eu conto, já não rezo há muito tempo. mas gostaria. eu sempre tive certeza de que não o esqueceria.
era matar ou morrer. não escolhi, mas me deixaram viver. sobrevivi em meio ao pó. ele dorme. vivo, liberto. ele hiberna há anos em mim. já vai para o sexto ano e eu tomo mais de meio litro de café por dia.

esse texto nunca teve fim.

11 fevereiro, 2016

nada consta

não me espere do outro lado da rua
não me espere no ponto ou na esquina
não me espere mais
ou não espere nada

pago prestações de noites intermináveis
juros de esperas sem um retorno
parcelas de um nada recebido
nada consta nessa conta

só um de mim e eu só

11 janeiro, 2016

avoou

eu não vou mentir dizendo que não me arrependi. soprou forte na janela e levou, me levou. e vem varrendo tudo até então. só palavras fotos e uns desenhos nem sei como ainda se aguentam pendurados no espelho. dessa vez você não se pendurou. eu tropeço caio levanto caio de novo e vou só. quem é que vai dizer que nada muda? não há. o que soprou levou o áspero as madrugadas suspiros sufoco e mais uns olhos fechados, maçãs-do-rosto gatos luas e um par de asas. o cheiro do café que não consigo tomar ele levou. minhas vírgulas ele sempre leva. quem? não poderia ser o vento.

03 janeiro, 2016

ecoa

ele me embrulha o estômago, distorce, despenteia, não faz questão. eu sou todo. e dentro de mim sou amor e ódio. em meio a tantos outros que sonho, eu só. sou um rasgo entre mim e o vazio que crio enquanto ele dorme. não sei me fazer entre palavras ditas. amém, diz orgulhoso. chora, afunda no silêncio sufocado que você ecoa. agora não adianta mais acordá-lo. eu tenho medo do escuro, do meu - o pior de todos eles.

08 novembro, 2015

telefonema

eu não fico em paz. leio, mas não te compreendo. André também não gosta: se amo ele não goza não despontua não agoniza não madruga. ele nunca foi homem de abrir os olhos com vontade de acordar. ele sequer foi homem! ele ainda é um menino que não sabe chorar. ele não sabe de tanto... mas vai aprender.
você? acho que você não toma jeito não. tô sentada, esperando o seu milagre. vai que deus existe? ninguém sabe